Estudos realizados em todo o mundo demonstram que estudantes medicina são mais propensos a depressão. Abaixo um estudo semelhante realizado no Brasil:
 
 
Sintomas  depressivos nos estudantes de medicina da Universidade Estadual de Maringá
Depressive  symptoms among medical students of the State University of Maringá
Mauro Porcua, Cláudio  Vinícius Fritzenb e Cesar Helberb
aUniversidade  Estadual de Maringá (UEM). bUniversidade Federal de São Paulo/EPM  
         | Resumo ObjetivoEstudantes de medicina estão freqüentemente              em contato estreito com pacientes portadores de todos os tipos              de doenças e de prognósticos ruins. Além disso, enfrentam um alto              nível de cobrança dele mesmo, da instituição e de toda a sociedade,              propiciando o surgimento de sintomas depressivos nos estudantes.              Nesse contexto, o presente estudo visa avaliar a epidemiologia              da sintomatologia depressiva entre os alunos do curso de medicina              da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
 MétodosO estudo foi realizado usando o modelo              epidemiológico individuado-observacional seccional, utilizando-se              um questionário padronizado auto-aplicável chamado Inventário              para Depressão de Beck (IDB). A amostra foi de 126 estudantes              de medicina, com índice de participação de 97,7%.
 ResultadosEncontrou-se na população:1) predominância              de homens (55,6%); 2) idade variando de 19 a 25 anos; 3) maioria              de religião católica (69,8%); 4) prevalência de sintomas depressivos              (49,2%), 4 vezes maior que na população americana e mais do que              7 vezes maior que na brasileira; 5) na passagem do primeiro para              o segundo ano, a prevalência de sintomas depressivos aumenta de              20% para 61,8%; 6) do segundo para o terceiro ano, a porcentagem              de casos graves aumenta de 4,8% para 19%; 7) diminuição da prevalência              no quarto ano (47,4%) e no quinto ano (45,5%); 8) aumento da prevalência              no sexto ano, com sintomatologia moderada (61,12%).
 ConclusãoA prevalência dos sintomas depressivos              nos estudantes de medicina mostrou-se maior do que a encontrada              na população em geral. Tal fato indica a necessidade de implementar              programas para a diminuição da sintomatologia depressivas entre              os estudantes de medicina, principalmente durante a transição              do curso básico para a clínica (segunda e terceira séries).
 DescritoresDepressão. Estudantes de medicina.              Saúde mental. Epidemiologia descritiva.
 |  | Abstract Objective Medical students are very often              assigned to take care of patients with poor prognoses. This situation              has an important role as a stressor, as they feel the burden of              having the responsibility of managing these problems and the demands              from the medical institution and society. In thiscontext, the              present study intends to assess the epidemiology of depressive              symptoms among medical students of the State University of Paraná,              Brazil.
 MethodsA cross-sectional study was carried              out using a standardized questionnaire, the Beck Depression Inventory              (BDI). One hundred and twenty six medical students were enrolled              and 97.7% participated in the study.
 ResultsSome of the findings were: a) age              range: 19 to 25 years; b) gender: males 55.6% and females 45.4%;              c) religion: predominantly catholic (69.8%); d) prevalence of              depressive symptoms: 49.2%, four times higher when compared to              the American population of the same age, and, surprisingly, seven              times higher when compared to the Brazilian population; e) from              the first to the second year of medical school, there was an increase              in the prevalence of depressive symptoms from 20% to 61.8%; f)              from the second to the third year, the number of severe cases              increased from 4.8% to 19%; g) there was a decrease in the prevalence              of the symptoms in the fourth (47.4%) and fifth year (45.5%);              h) in the sixth year, the high prevalence was due to moderate              symptoms (61.12%).
 ConclusionThe prevalence of depressive symptoms              among medical students proved to be higher than in the general              population. This emphasizes the need to prepare students for the              transition from the basic courses to the clinical ones (second              to third year ), and implement support programs to decrease the              onset of depressive symptoms in this particular group. These results,              however, should be further evaluated in large randomized studies.
 KeywordsDepression. Medical students. Mental              health. Descriptive epidemiology.
 | 
Introdução
Estudantes de medicina estão  freqüentemente em estreito contato com pacientes portadores de todos os tipos  de doenças ou de prognósticos ruins. Além disso, enfrentam um alto nível de  cobrança por parte da instituição de ensinoe da sociedade em relação oa desempenho  e responsabilidade profissional. Isso gera, no próprio estudante, um sentimento  de auto-cobrança muito grande. Soma-se a isso a grande carga horária e o volume  de matéria didática inerente ao curso de medicina. Nesse contexto, o presente  estudo visa avaliar a epidemiologia da sintomatologia depressiva entre os  alunos do curso de medicina da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Métodos
Aplicou-se um questionário padronizado, o Inventário  para Depressão de Beck (IDB). Quase a totalidade dos estudantes de medicina  da UEM responderam-no num período de 3 semanas.
O estudo foi baseado no modelo  epidemiológico individuado-observacional seccional, utilizando o IDB como  modelo de inquérito. O grupo foi subdividido em seis amostras independentes,  correspondentes a cada uma das séries do curso. Antes dos estudantes serem  submetidos à avaliação, eles foram inteirados e assinaram um “termo de consentimento  e livre-esclarecimento”, para a realização da pesquisa.
O IDB é um questionário padronizado  para avaliação do humor depressivo, bastante utilizado na literatura, apresentando  a característica de ser auto-aplicativo. O mesmo possui quatro categorias,  subdivididas pelo escore: 0-3 (nenhum ou mínimo); 4-7 (leve); 8-15 (moderado);  16 ou mais (grave).
A amostra obtida foi de 126  estudantes de medicina distribuídos nos seis anos do curso. O índice de participação  foi de 97,7%. Os alunos que responderam o IDB fizeram-no naturalmente e os  que não responderam, não se encontravam na instituição naquela ocasião. Os  dados foram submetidos a análise de correlação e teste de significância entre  dois percentuais.
Resultados
A distribuição entre homens e mulheres foi de 55,6%  e 44,4%, respectivamente. A idade variou, em média, entre 19 e 25 anos. Com  relação à religião, os católicos representaram 69,8%, os evangélicos/protestantes  7,1%, espíritas 5,6%, seisho-no-iê 0,8%, muçulmanos 0,8%, sem religião 1,6%  e 14,3 não responderam essa pergunta.
A análise de correlação mostrou  que as variáveis idade e série apresentaram um índice de correlação de 0,64  (p<0,05). As variáveis sexo, religião e grau de depressão não apresentaram  correlação significativa entre si e com as demais variáveis. A prevalência  dos sintomas depressivos foi de 49,2% entre a população estudada, sendo que  o grau da sintomatologia é mostrado na Figura 1. Na Figura 2 a estratificação  da população por série foi exposta, evidenciando um comportamento bem diferente  da sintomatologia depressiva entre as séries.
   
     
             | Figura                  1 - Distribuição dos sintomas depressivos nos estudantes de                  medicina da UEM/Maringá (PR) |  | Figura                  2 - Distribuição dos sintomas depressivos nos estudantes de                  medicina da UEM/Maringá (PR) | 
             |  |  |  | 
             | Fonte: inventário                  de Beck (IDB) aplicado aos alunos de medicina da UEM/Maringá                  (PR) | 
 
No trabalho de Chan foram  avaliados 335 estudantes de medicina chineses, da Chinese University of Hong  Kong, usando o IDB como inquérito.1 O autor utilizou escore de  corte 9/10 e 29/30, sendo que 50% estavam deprimidos e 2% estavam com grau  grave de depressão. Utilizando estes escores de corte, neste trabalho, a taxa  foi de 18,3% entre 10 e 30 e 0% acima de 30. Aplicando-se o teste de significância  entre dois percentuais, houve diferença significativa (p<0,05) entre os  escores de 10 a 30, mas não apresentou diferença acima de 30 (p=0,1105).
No artigo de Clark foram analisados  os alunos de medicina da Rush-Presbyterian-St Lukes Medical Center em Chicago,  EUA.2 Os autores utilizaram um escore de corte para o IDB de 14,  obtendo 12% de alunos com sintomas depressivos durante os três primeiros anos  do curso contra 9% desta população no mesmo período, usando o mesmo valor  de corte, não apresentando diferença significativa (p>0,05). O maior porcentual  de sintomas depressivos (25%) foi encontrado no final do segundo ano e na  metade do terceiro ano (19%).
Discussão
Os alunos de medicina da UEM recebem, nos dois  primeiros anos, um ensino eminentemente teórico nas disciplinas básicas, que  são complementadas por práticas em laboratório, com destaque para anatomia  humana. É na disciplina “Semiologia e procedimentos técnicos” que os alunos  começam a entrar em contato com os pacientes. 
No terceiro ano, eles iniciam  as disciplinas clínicas e têm maior contato com os pacientes, através de estágios  em postos de saúde, no Centro Integrado de Saúde Mental e enfermarias do Hospital  Universitário de Maringá. No quarto ano, retornam às aulas teóricas, sem mais  contato com pacientes. O quinto e o sexto ano são de internato médico, quando  voltam-se para a prática clínica.
Os dados deste trabalho mostram  um equilíbrio entre o percentual de homens e mulheres. Nota-se também o predomínio  da religião católica seguida de longe por espíritas e evangélicos/protestantes.  A análise aponta somente correlação significativa entre idade e série, pelo  fato das mesmas aumentarem seu valor conforme o tempo. Não evidenciou correlação  significativa em relação ao sexo feminino e maior grau de depressão conforme  se apresenta na população geral (Kaplan3 e Soares4).  Este fato também foi relatado no trabalho de Clark.2
O IDB utilizado neste trabalho  tem a finalidade, segundo Silveira,5 de detectar a sintomatologia  depressiva e não a presença ou ausência de um episódio depressivo, podendo  apresentar muitos falsos positivos. Com isso, um segundo instrumento diagnóstico  poderia ter sido utilizado, como fez o estudo multicêntrico de Almeida Filho,6  que usou psiquiatras treinados para o diagnóstico do episódio depressivo nos  casos positivos. Mesmo assim, o nível de prevalência de 49,2% encontrado pelo  IDB foi bastante significante.
O estudo multicêntrico de Almeida  Filho mostrou também que a prevalência do transtorno depressivo na população  metropolitana de São Paulo, Brasília e Porto Alegre variou de 2,8% a 10,2%.6  Na população americana, estes dados variaram entre 7,8% e 15%, podendo chegar  a 25% em mulheres (Kaplan3 e Prado7). Desta maneira,  a prevalência de sintomas depressivos nos estudantes de medicina é cerca de  4 vezes maior, em média, do que na população geral americana e mais do que  7 vezes a população brasileira. 
Os dados deste trabalho foram  comparados com o estudo de Clark,2 obtendo-se valores semelhantes  a outros estudos americanos, como de Supe,8 Helmers,9  Rosal,10 estudo na Polônia de Foltyn11 e o estudo no  Reino Unido de Stewart.12 Todos mostraram que a prevalência da  depressão entre os estudantes de medicina nestes países também é maior do  que na população geral. Comparado ao estudo chinês, os resultados indicaram  uma taxa bem maior de depressão nos estudantes chineses, mas não em relação  ao nível grave de depressão. Com isto, a formação médica nos moldes atuais  comporta-se como fator de risco para o aumento da incidência da doença depressiva  na população em estudo.
No presente trabalho foram  categorizados os diferentes graus de depressão segundo sua distribuição pelas  séries, de acordo com a categorização padrão do IDB. Estes dados são apresentados  na Figura 2 e mostra diferentes comportamentos em relação à prevalência e  ao grau de depressão em cada série.
Considerando-se que este estudo  é seccional e avaliou cada série (subpopulação) em separado, uma avaliação  longitudinal onde a mesma turma fosse avaliada conforme passa pelas séries  seria mais fidedigna. Porém, mesmo sendo subpopulações diferentes, o comportamento  entre as séries foi muito diferente.
Do primeiro para o segundo  ano, a prevalência de sintomas depressivos aumenta de 20% para 61,8%. Do segundo  para o terceiro ano, o número de casos graves salta de 4,8% para 19%, em detrimento  dos casos moderados do segundo ano. Este comportamento também foi encontrado  no estudo de Helmers,9 que relatou um aumento da prevalência de  sintomas depressivos na transição entre a ciência básica e o treinamento clínico,  tal como ocorreu neste trabalho. Do terceiro para o quarto ano há uma nítida  melhora, ocorrendo uma queda do nível grave de 19% para 0%, assim como a diminuição  da taxa de prevalência de 66,6% para 47,4%. Isso possivelmente acontece devido  a dois fatores: o primeiro seria a melhor adaptação ao treinamento clínico,  por já terem ultrapassado a transição básico/clínico; o segundo seria o fato  da disciplina de psiquiatria ser ministrada no terceiro ano, levando os alunos  a um auto-reconhecimento de que estão tendo problemas de humor e fazendo-os  procurar tratamento médico especializado, havendo melhora do deprimido até  o próximo ano. Do quarto para o quinto ano a prevalência se estabiliza, mas  há um novo aumento no nível grave de 0% para 4,5%, em detrimento dos moderados  do quarto ano. Isto se deve, possivelmente, à entrada do aluno na prática  clínica e de lidar diariamente com o sofrimento humano.13 Do quinto  ao sexto ano, há um grande aumento do grau moderado, de 13,6% para 33,3% e  o desaparecimento do grau grave. Este fato poderia ser explicado pela expectativa  de se formar e entrar no mercado de trabalho, ficando responsáveis pelo próprios  atos, sem a retaguarda da escola. Outra possibilidade seria a pressão para  serem aprovados nas provas de residência médica.
O estudo de Rosal10  concluiu que, pelo fato das taxas de depressão manterem-se elevadas durante  todo o curso de medicina e não se comportarem de maneira episódica, o curso  em si é um fator de estresse crônico sobre seus alunos.
Conclusão
O presente trabalho mostrou que os alunos de medicina  da UEM apresentaram uma prevalência de sintomas depressivos tal qual a encontrada  em outros estudos, sendo a taxa de depressão não alterada por outras variáveis  como série, religião, idade e sexo. 
O aumento da prevalência de sintomas  depressivos na transição das disciplinas básicas para as clínicas, bem como  o aumento da gravidade dos sintomas depressivos no terceiro ano, também foi  evidenciada tanto neste estudo como na literatura. 
Estes fatos inferem que o curso  de medicina, da maneira como está estruturado atualmente, age como fator de  risco para o aumento da prevalência de sintomas depressivos nos seus alunos.  Assim, medidas preventivas como um programa implementado pela própria instituição  de ensino para identificar os pontos que causam maior estresse sobre o aluno  e modificando-os de maneira mais adequada, devem ser empregadas, por exemplo,  na transição básico/clínico. Deste modo, agindo na diminuição do estresse,  poderá haver uma diminuição significativa da prevalência sintomatologia depressiva  nos estudantes de medicina.
Referências  
- Chain DW. Depressive symptoms and depressed mood among Chinese          medical students in Hong Kong. Compr Psychiatr 1991;32(2):170-80.                   
- Clark DC, Zeldow PB. Vicissitudes of depressed mood during          four years of school. JAMA 1988;260(17):2521-8.          
- Kaplan HI, Sadock BJ, Grebb JA. Compêndio de psiquiatria          – Ciências do comportamento e psiquiatria clínica. In: Transtorno          depressivo maior e transtorno bipolar I. 7ªed. Porto Alegre: Artes          Médicas; 1997. p. 493-529.          
- Soares KVS, Filho NA, Boteca NJ, Coutinho ESF, Mari JJ. Sintomas          depressivos em adolescentes: análise dos dados do estudo multicêntrico          de morbidade psiquiátrica em áreas metropolitanas. Rev ABP – Apal          1994;16(1):11-7.          
- Silveira DX, Jorge MR. Propriedades psicométricas da escala          de rastreamento populacional para depressão CES-D em populações clínica          e não-clínica de adolescentes e adultos jovens. Rev Psiquiatr Clín          1998;25(5):251-61.          
- Almeida-Filho N, Mari JJ, Coutinho          E, França JF, Fernandes J, Andreoli SBA, et al. Brazilian multicentric          study of psychiatric morbidity – Methodological features and prevalence          estimates. Br J Psychiatr 1997;171:524-9.          
- Prado FC, Ramos J, Valle JR. Atualização          terapêutica – manual prático de diagnóstico e tratamento. In: Porto          JAD. Transtornos depressivos. 19ªed. São Paulo: Artes Médicas; 1999.          p. 1213-15.          
- Supe AN. A study of stress in medical          students at Seth G. S. Medical College. J Postgrad Med 1998;44:1-6.                   
- Helmers KF, Danoff D, Steinert Y,          Leyton M, Young SN. Stress and depressed mood in medical students,          law students, and graduate students at McGill University. Acad Med          1997;72(8):708-14.          
- Rosal MC, Ockene IS, Ockene JK, Barret          SV, Ma Y, Hebert JR. A longitudinal study of students depressed at          one medical school. Acad Med 1997;72(6):542-6.          
- Foltyn W, Nowakowska-Zajdel E, Knopik          J, Brodziak A. The influense of early childhood experiences on depression          among medical students. Preliminary study. Psychiatr Pol 1998;32(2):177-85.          [Polish].          
- Stewart SM, Betson C, Lam TH, Marshall          IB, Lee PW, Wong CM. Predicting stress in first year medical students:          a longitudinal study. Med Educ 1997;31:163-8.          
- Avancine MATO, Jorge MR. Medos, atitudes          e convicções de estudantes de medicina perante as doenças. Psiq Prat          Med 2000;33(1):2-9.      
Correspondência:
Mauro Porcu
Universidade Estadual de Maringá
Departamento de Medicina
Av. Mandacaru,  1590
Maringá, PR, Brasil
E-mail: MP@Wnet.com.br
Fonte: http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/original5_01.htm