sábado, 13 de agosto de 2011

Um Alerta a Estudantes de Medicina

Estudos realizados em todo o mundo demonstram que estudantes medicina são mais propensos a depressão. Abaixo um estudo semelhante realizado no Brasil:
Sintomas depressivos nos estudantes de medicina da Universidade Estadual de Maringá
Depressive symptoms among medical students of the State University of Maringá
Mauro Porcua, Cláudio Vinícius Fritzenb e Cesar Helberb
aUniversidade Estadual de Maringá (UEM). bUniversidade Federal de São Paulo/EPM
Resumo
Objetivo
Estudantes de medicina estão freqüentemente em contato estreito com pacientes portadores de todos os tipos de doenças e de prognósticos ruins. Além disso, enfrentam um alto nível de cobrança dele mesmo, da instituição e de toda a sociedade, propiciando o surgimento de sintomas depressivos nos estudantes. Nesse contexto, o presente estudo visa avaliar a epidemiologia da sintomatologia depressiva entre os alunos do curso de medicina da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Métodos
O estudo foi realizado usando o modelo epidemiológico individuado-observacional seccional, utilizando-se um questionário padronizado auto-aplicável chamado Inventário para Depressão de Beck (IDB). A amostra foi de 126 estudantes de medicina, com índice de participação de 97,7%.
Resultados
Encontrou-se na população:1) predominância de homens (55,6%); 2) idade variando de 19 a 25 anos; 3) maioria de religião católica (69,8%); 4) prevalência de sintomas depressivos (49,2%), 4 vezes maior que na população americana e mais do que 7 vezes maior que na brasileira; 5) na passagem do primeiro para o segundo ano, a prevalência de sintomas depressivos aumenta de 20% para 61,8%; 6) do segundo para o terceiro ano, a porcentagem de casos graves aumenta de 4,8% para 19%; 7) diminuição da prevalência no quarto ano (47,4%) e no quinto ano (45,5%); 8) aumento da prevalência no sexto ano, com sintomatologia moderada (61,12%).
Conclusão
A prevalência dos sintomas depressivos nos estudantes de medicina mostrou-se maior do que a encontrada na população em geral. Tal fato indica a necessidade de implementar programas para a diminuição da sintomatologia depressivas entre os estudantes de medicina, principalmente durante a transição do curso básico para a clínica (segunda e terceira séries).
Descritores
Depressão. Estudantes de medicina. Saúde mental. Epidemiologia descritiva.
Abstract
Objective
Medical students are very often assigned to take care of patients with poor prognoses. This situation has an important role as a stressor, as they feel the burden of having the responsibility of managing these problems and the demands from the medical institution and society. In thiscontext, the present study intends to assess the epidemiology of depressive symptoms among medical students of the State University of Paraná, Brazil.
Methods
A cross-sectional study was carried out using a standardized questionnaire, the Beck Depression Inventory (BDI). One hundred and twenty six medical students were enrolled and 97.7% participated in the study.
Results
Some of the findings were: a) age range: 19 to 25 years; b) gender: males 55.6% and females 45.4%; c) religion: predominantly catholic (69.8%); d) prevalence of depressive symptoms: 49.2%, four times higher when compared to the American population of the same age, and, surprisingly, seven times higher when compared to the Brazilian population; e) from the first to the second year of medical school, there was an increase in the prevalence of depressive symptoms from 20% to 61.8%; f) from the second to the third year, the number of severe cases increased from 4.8% to 19%; g) there was a decrease in the prevalence of the symptoms in the fourth (47.4%) and fifth year (45.5%); h) in the sixth year, the high prevalence was due to moderate symptoms (61.12%).
Conclusion
The prevalence of depressive symptoms among medical students proved to be higher than in the general population. This emphasizes the need to prepare students for the transition from the basic courses to the clinical ones (second to third year ), and implement support programs to decrease the onset of depressive symptoms in this particular group. These results, however, should be further evaluated in large randomized studies.
Keywords
Depression. Medical students. Mental health. Descriptive epidemiology.


Introdução
Estudantes de medicina estão freqüentemente em estreito contato com pacientes portadores de todos os tipos de doenças ou de prognósticos ruins. Além disso, enfrentam um alto nível de cobrança por parte da instituição de ensinoe da sociedade em relação oa desempenho e responsabilidade profissional. Isso gera, no próprio estudante, um sentimento de auto-cobrança muito grande. Soma-se a isso a grande carga horária e o volume de matéria didática inerente ao curso de medicina. Nesse contexto, o presente estudo visa avaliar a epidemiologia da sintomatologia depressiva entre os alunos do curso de medicina da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Métodos
Aplicou-se um questionário padronizado, o Inventário para Depressão de Beck (IDB). Quase a totalidade dos estudantes de medicina da UEM responderam-no num período de 3 semanas.
O estudo foi baseado no modelo epidemiológico individuado-observacional seccional, utilizando o IDB como modelo de inquérito. O grupo foi subdividido em seis amostras independentes, correspondentes a cada uma das séries do curso. Antes dos estudantes serem submetidos à avaliação, eles foram inteirados e assinaram um “termo de consentimento e livre-esclarecimento”, para a realização da pesquisa.
O IDB é um questionário padronizado para avaliação do humor depressivo, bastante utilizado na literatura, apresentando a característica de ser auto-aplicativo. O mesmo possui quatro categorias, subdivididas pelo escore: 0-3 (nenhum ou mínimo); 4-7 (leve); 8-15 (moderado); 16 ou mais (grave).
A amostra obtida foi de 126 estudantes de medicina distribuídos nos seis anos do curso. O índice de participação foi de 97,7%. Os alunos que responderam o IDB fizeram-no naturalmente e os que não responderam, não se encontravam na instituição naquela ocasião. Os dados foram submetidos a análise de correlação e teste de significância entre dois percentuais.
Resultados
A distribuição entre homens e mulheres foi de 55,6% e 44,4%, respectivamente. A idade variou, em média, entre 19 e 25 anos. Com relação à religião, os católicos representaram 69,8%, os evangélicos/protestantes 7,1%, espíritas 5,6%, seisho-no-iê 0,8%, muçulmanos 0,8%, sem religião 1,6% e 14,3 não responderam essa pergunta.
A análise de correlação mostrou que as variáveis idade e série apresentaram um índice de correlação de 0,64 (p<0,05). As variáveis sexo, religião e grau de depressão não apresentaram correlação significativa entre si e com as demais variáveis. A prevalência dos sintomas depressivos foi de 49,2% entre a população estudada, sendo que o grau da sintomatologia é mostrado na Figura 1. Na Figura 2 a estratificação da população por série foi exposta, evidenciando um comportamento bem diferente da sintomatologia depressiva entre as séries.
 
Figura 1 - Distribuição dos sintomas depressivos nos estudantes de medicina da UEM/Maringá (PR)
Figura 2 - Distribuição dos sintomas depressivos nos estudantes de medicina da UEM/Maringá (PR)
Fonte: inventário de Beck (IDB) aplicado aos alunos de medicina da UEM/Maringá (PR)

No trabalho de Chan foram avaliados 335 estudantes de medicina chineses, da Chinese University of Hong Kong, usando o IDB como inquérito.1 O autor utilizou escore de corte 9/10 e 29/30, sendo que 50% estavam deprimidos e 2% estavam com grau grave de depressão. Utilizando estes escores de corte, neste trabalho, a taxa foi de 18,3% entre 10 e 30 e 0% acima de 30. Aplicando-se o teste de significância entre dois percentuais, houve diferença significativa (p<0,05) entre os escores de 10 a 30, mas não apresentou diferença acima de 30 (p=0,1105).
No artigo de Clark foram analisados os alunos de medicina da Rush-Presbyterian-St Lukes Medical Center em Chicago, EUA.2 Os autores utilizaram um escore de corte para o IDB de 14, obtendo 12% de alunos com sintomas depressivos durante os três primeiros anos do curso contra 9% desta população no mesmo período, usando o mesmo valor de corte, não apresentando diferença significativa (p>0,05). O maior porcentual de sintomas depressivos (25%) foi encontrado no final do segundo ano e na metade do terceiro ano (19%).
Discussão
Os alunos de medicina da UEM recebem, nos dois primeiros anos, um ensino eminentemente teórico nas disciplinas básicas, que são complementadas por práticas em laboratório, com destaque para anatomia humana. É na disciplina “Semiologia e procedimentos técnicos” que os alunos começam a entrar em contato com os pacientes.
No terceiro ano, eles iniciam as disciplinas clínicas e têm maior contato com os pacientes, através de estágios em postos de saúde, no Centro Integrado de Saúde Mental e enfermarias do Hospital Universitário de Maringá. No quarto ano, retornam às aulas teóricas, sem mais contato com pacientes. O quinto e o sexto ano são de internato médico, quando voltam-se para a prática clínica.
Os dados deste trabalho mostram um equilíbrio entre o percentual de homens e mulheres. Nota-se também o predomínio da religião católica seguida de longe por espíritas e evangélicos/protestantes. A análise aponta somente correlação significativa entre idade e série, pelo fato das mesmas aumentarem seu valor conforme o tempo. Não evidenciou correlação significativa em relação ao sexo feminino e maior grau de depressão conforme se apresenta na população geral (Kaplan3 e Soares4). Este fato também foi relatado no trabalho de Clark.2
O IDB utilizado neste trabalho tem a finalidade, segundo Silveira,5 de detectar a sintomatologia depressiva e não a presença ou ausência de um episódio depressivo, podendo apresentar muitos falsos positivos. Com isso, um segundo instrumento diagnóstico poderia ter sido utilizado, como fez o estudo multicêntrico de Almeida Filho,6 que usou psiquiatras treinados para o diagnóstico do episódio depressivo nos casos positivos. Mesmo assim, o nível de prevalência de 49,2% encontrado pelo IDB foi bastante significante.
O estudo multicêntrico de Almeida Filho mostrou também que a prevalência do transtorno depressivo na população metropolitana de São Paulo, Brasília e Porto Alegre variou de 2,8% a 10,2%.6 Na população americana, estes dados variaram entre 7,8% e 15%, podendo chegar a 25% em mulheres (Kaplan3 e Prado7). Desta maneira, a prevalência de sintomas depressivos nos estudantes de medicina é cerca de 4 vezes maior, em média, do que na população geral americana e mais do que 7 vezes a população brasileira.
Os dados deste trabalho foram comparados com o estudo de Clark,2 obtendo-se valores semelhantes a outros estudos americanos, como de Supe,8 Helmers,9 Rosal,10 estudo na Polônia de Foltyn11 e o estudo no Reino Unido de Stewart.12 Todos mostraram que a prevalência da depressão entre os estudantes de medicina nestes países também é maior do que na população geral. Comparado ao estudo chinês, os resultados indicaram uma taxa bem maior de depressão nos estudantes chineses, mas não em relação ao nível grave de depressão. Com isto, a formação médica nos moldes atuais comporta-se como fator de risco para o aumento da incidência da doença depressiva na população em estudo.
No presente trabalho foram categorizados os diferentes graus de depressão segundo sua distribuição pelas séries, de acordo com a categorização padrão do IDB. Estes dados são apresentados na Figura 2 e mostra diferentes comportamentos em relação à prevalência e ao grau de depressão em cada série.
Considerando-se que este estudo é seccional e avaliou cada série (subpopulação) em separado, uma avaliação longitudinal onde a mesma turma fosse avaliada conforme passa pelas séries seria mais fidedigna. Porém, mesmo sendo subpopulações diferentes, o comportamento entre as séries foi muito diferente.
Do primeiro para o segundo ano, a prevalência de sintomas depressivos aumenta de 20% para 61,8%. Do segundo para o terceiro ano, o número de casos graves salta de 4,8% para 19%, em detrimento dos casos moderados do segundo ano. Este comportamento também foi encontrado no estudo de Helmers,9 que relatou um aumento da prevalência de sintomas depressivos na transição entre a ciência básica e o treinamento clínico, tal como ocorreu neste trabalho. Do terceiro para o quarto ano há uma nítida melhora, ocorrendo uma queda do nível grave de 19% para 0%, assim como a diminuição da taxa de prevalência de 66,6% para 47,4%. Isso possivelmente acontece devido a dois fatores: o primeiro seria a melhor adaptação ao treinamento clínico, por já terem ultrapassado a transição básico/clínico; o segundo seria o fato da disciplina de psiquiatria ser ministrada no terceiro ano, levando os alunos a um auto-reconhecimento de que estão tendo problemas de humor e fazendo-os procurar tratamento médico especializado, havendo melhora do deprimido até o próximo ano. Do quarto para o quinto ano a prevalência se estabiliza, mas há um novo aumento no nível grave de 0% para 4,5%, em detrimento dos moderados do quarto ano. Isto se deve, possivelmente, à entrada do aluno na prática clínica e de lidar diariamente com o sofrimento humano.13 Do quinto ao sexto ano, há um grande aumento do grau moderado, de 13,6% para 33,3% e o desaparecimento do grau grave. Este fato poderia ser explicado pela expectativa de se formar e entrar no mercado de trabalho, ficando responsáveis pelo próprios atos, sem a retaguarda da escola. Outra possibilidade seria a pressão para serem aprovados nas provas de residência médica.
O estudo de Rosal10 concluiu que, pelo fato das taxas de depressão manterem-se elevadas durante todo o curso de medicina e não se comportarem de maneira episódica, o curso em si é um fator de estresse crônico sobre seus alunos.
Conclusão
O presente trabalho mostrou que os alunos de medicina da UEM apresentaram uma prevalência de sintomas depressivos tal qual a encontrada em outros estudos, sendo a taxa de depressão não alterada por outras variáveis como série, religião, idade e sexo.
O aumento da prevalência de sintomas depressivos na transição das disciplinas básicas para as clínicas, bem como o aumento da gravidade dos sintomas depressivos no terceiro ano, também foi evidenciada tanto neste estudo como na literatura.
Estes fatos inferem que o curso de medicina, da maneira como está estruturado atualmente, age como fator de risco para o aumento da prevalência de sintomas depressivos nos seus alunos. Assim, medidas preventivas como um programa implementado pela própria instituição de ensino para identificar os pontos que causam maior estresse sobre o aluno e modificando-os de maneira mais adequada, devem ser empregadas, por exemplo, na transição básico/clínico. Deste modo, agindo na diminuição do estresse, poderá haver uma diminuição significativa da prevalência sintomatologia depressiva nos estudantes de medicina.
Referências
  1. Chain DW. Depressive symptoms and depressed mood among Chinese medical students in Hong Kong. Compr Psychiatr 1991;32(2):170-80.
  2. Clark DC, Zeldow PB. Vicissitudes of depressed mood during four years of school. JAMA 1988;260(17):2521-8.
  3. Kaplan HI, Sadock BJ, Grebb JA. Compêndio de psiquiatria – Ciências do comportamento e psiquiatria clínica. In: Transtorno depressivo maior e transtorno bipolar I. 7ªed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997. p. 493-529.
  4. Soares KVS, Filho NA, Boteca NJ, Coutinho ESF, Mari JJ. Sintomas depressivos em adolescentes: análise dos dados do estudo multicêntrico de morbidade psiquiátrica em áreas metropolitanas. Rev ABP – Apal 1994;16(1):11-7.
  5. Silveira DX, Jorge MR. Propriedades psicométricas da escala de rastreamento populacional para depressão CES-D em populações clínica e não-clínica de adolescentes e adultos jovens. Rev Psiquiatr Clín 1998;25(5):251-61.
  6. Almeida-Filho N, Mari JJ, Coutinho E, França JF, Fernandes J, Andreoli SBA, et al. Brazilian multicentric study of psychiatric morbidity – Methodological features and prevalence estimates. Br J Psychiatr 1997;171:524-9.
  7. Prado FC, Ramos J, Valle JR. Atualização terapêutica – manual prático de diagnóstico e tratamento. In: Porto JAD. Transtornos depressivos. 19ªed. São Paulo: Artes Médicas; 1999. p. 1213-15.
  8. Supe AN. A study of stress in medical students at Seth G. S. Medical College. J Postgrad Med 1998;44:1-6.
  9. Helmers KF, Danoff D, Steinert Y, Leyton M, Young SN. Stress and depressed mood in medical students, law students, and graduate students at McGill University. Acad Med 1997;72(8):708-14.
  10. Rosal MC, Ockene IS, Ockene JK, Barret SV, Ma Y, Hebert JR. A longitudinal study of students depressed at one medical school. Acad Med 1997;72(6):542-6.
  11. Foltyn W, Nowakowska-Zajdel E, Knopik J, Brodziak A. The influense of early childhood experiences on depression among medical students. Preliminary study. Psychiatr Pol 1998;32(2):177-85. [Polish].
  12. Stewart SM, Betson C, Lam TH, Marshall IB, Lee PW, Wong CM. Predicting stress in first year medical students: a longitudinal study. Med Educ 1997;31:163-8.
  13. Avancine MATO, Jorge MR. Medos, atitudes e convicções de estudantes de medicina perante as doenças. Psiq Prat Med 2000;33(1):2-9.
Correspondência:
Mauro Porcu
Universidade Estadual de Maringá
Departamento de Medicina
Av. Mandacaru, 1590
Maringá, PR, Brasil
E-mail:
MP@Wnet.com.br
Fonte: http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/original5_01.htm

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